quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Tempo é ternura


Viver tem sido adiantar o serviço do dia seguinte. No domingo já estamos na segunda, na terça já estamos na quarta e sempre um dia a mais do dia que deveríamos viver. Pelo excesso de antecedência vamos morrer um mês antes.

Está na hora de encarar a folha branca da agenda e não escrever. O costume é marcar o compromisso e depois adiar, que não deixa de ser uma maneira de ainda cumpri-lo.

Tempo é ternura.

Perder tempo é a maior demonstração de afeto. A maior gentileza. Sair daquele aproveitamento máximo de tarefas. Ler um livro para o filho pequeno dormir. Arrumar as gavetas da escrivaninha de sua mulher quando poderia estar fazendo suas coisas. Consertar os aparelhos da cozinha, trocar as pilhas do controle remoto. Preparar um assado de 40 minutos. Usar pratos desnecessários, não economizar esforço, não simplificar, não poupar trabalho, desperdiçar simpatia.

Levar uma manhã para alinhar os quadros, uma tarde para passar um paninho nas capas dos livros e lembrar as obras que você ainda não leu. Experimentar roupas antigas e não colocar nenhuma fora. Produzir sentido da absoluta falta de lógica.

Tempo é ternura.

O tempo sempre foi algoz dos relacionamentos. Convencionou-se explicar que a paixão é biológica, dura apenas dois anos e o resto da convivência é comodismo.

Não é verdade, amor não é intensidade que se extravia na duração.

Somente descobriremos a intensidade se permitirmos durar. Se existe disponibilidade para errar e repetir. Quem repete o erro logo se apaixonará pelo defeito mais do que pelo acerto e buscará acertar o erro mais do que confirmar o acerto. Pois errar duas vezes é talento, acertar uma vez é sorte.

Acima da obsessão de controlar a rotina e os próximos passos, improvisar para permanecer ao lado da esposa. Interromper o que precisamos para despertar novas necessidades.

Intensidade é paciência, é capricho, é não abandonar algo porque não funcionou. É começar a cuidar justamente porque não funcionou.

Casais há mais de três décadas juntos perderam tempo. Criaram mais chances do que os demais. Superaram preconceitos. Perdoaram medos. Dobraram o orgulho ao longo das brigas. Dormiram antes de tomar uma decisão.

Cederam o que tinham de mais precioso: a chance de outras vidas. Dar uma vida a alguém será sempre maior do que qualquer vida imaginada.

Fabrício Carpinejar.

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1 comentários:

Karina Silva disse...

Claudia Belíssimo texto
Tempo tempo tempo tempo !!!

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É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Clarice Lispector
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