quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Uma flor selvagem
O amor é uma escultura que se faz sozinha. É uma flor inesperada sem estação do ano para surgir nem para morrer. Vai sendo esboçada assim ao léo: aqui a sombrancelha se arqueia, ali desce a curva do pescoço, a mão toca a ponta de um pé, no meio estende-se a floresta das mil seduções.
Imponderável como a obra de arte, o amor nem se define nem se enquadra: é cada vez outro, e novo, embora tão velho. Intemporal.
Planta selvagem, precisa de ar para desabrochar mas também se move nos vãos mais escuros, em ambientes sufocantes onde rebrilham os olhos malígnos da traição ou da indiferença, e a culpa pode matar.
O convívio é o exercito do amor na corda bamba. Os corpos se acomodam, as almas se espreitam, até se complementam. Mas pode-se cair no tédio - sem rede -, e bocejar olhando pela janela.
Inventamos receitas para que o amor melhore, perdure, se incendeie e renove... nem murche nem morra. Nenhuma funciona: ele foge de qualquer sensatez, como o perfume das maçãs escapa num cesto de vime tampado.
Se fossemos sensatos haveriamos de procurar nem amar, amar pouco, amar menos, amar com hora marcada e limites.
Mas o amor, que nunca tem juizo, nos prega peças quando e onde menos esperamos. Nunca nos sentimos tão inteiros como nesses primeiros tempos em que estamos fragmentados: tirados de de nós mesmos e esvaziados de tudo o mais, plenos só do outro em nós.
Nos sentimos melhores, mais bonitos, andamos com mais elegância, amamos mais os amigos, todo mundo foi perdoado, nosso coração é um barco para o qual até naufragar seria glorioso (ah que naufrágios)
Mais que isso, nesse castelo - como em qualquer castelo - não podendo haver dois reis. Quem cederá seu lugar, quem será sábio, quem se fará gueixa submissa ou servo feliz, para que o outro tome o lugar e se entronize e reine?
A palavra liberdade teria que ser mais presente, porém é mais convidada discretamente a afastar-se e permitir que em seu lugar assuma o comando alguma subalterna: tolerância, resignação, doação, adaptação.
Rondando o fosso do castelo, a vilã de todas, a culpa. Quem deixou sobre minha mesa o bilhete dizendo "se você ama alguém, deixe-o livre" sabia das coisas, portanto sabia também o desafio que me lançava.
No mundo das palavras há tantos artifícios quantas são as nossas contradições. Por isso, conviver é trama, trançar, largar,pegar, perder. E nunca definitivamente entender o que - se fossemos um pouco sábios - deveríamos fazer.
Farsa, tragédia grega, outras soneto perfeito: o amor, com as palavras, se disfarça em doces armadilhas ou lâminas.
Lya Luft
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