segunda-feira, 21 de maio de 2012

O homem que criou asas



Era um homem, um homem comum, que um comum destino parecia controlar inteiramente. Um animal doméstico bem cuidado.

Um dia sentiu um incômodo nos dois ombros, distensão muscular, má posição no trabalho…

Foi piorando e resolveu olhar-se no espelho, de lado, inteiro e nu, depois do banho. Não havia dúvida: duas saliências oblíquas apareciam em sua pele abaixo dos ombros. Teve medo, mas decidiu não comentar com ninguém, e como não transava frequentemente com a mulher, conseguiu esconder tudo quase um mês.

Passou a analisar todos os dias aquele fenômeno que, em vez de assustador, agora o intrigava. Curioso, mas sem sofrer – pois não doía - foi observando aquilo crescer. E pensava:

- "Nem adianta ir ao médico, porque se for um tumor (ou dois) tão grande não tem mais remédio, é melhor morrer inteiro que cortado".

Certa vez, quando se masturbava no banheiro, na hora do prazer, sentiu que elas enfim se lançavam de suas costas, e viu-se enfeitado com elas, desdobradas como as asas de um cisne que apenas tivesse dormido e, acordando, se esponjasse sobre as águas. Ficou ali, nu, diante do espelho, estarrecido!

Agora ele não era um homem comum com contas a pagar, emprego a cumprir. Era um homem com um encantamento.

Em certas noites quando todos dormiam, ele saía para o terraço, tirava a roupa e varava os ares.

Sua mulher notou alguma coisa diferente no corpo de seu marido. Nada mais que isso.


As coisas se complicaram quando, já habituado à sua nova condição, o homem-anjo olhou em torno e, sendo ainda apenas um homem de asas, sentiu-se muito só. E começou a pensar nisso...

Então, olhou em torno e ... se apaixonou!

Na primeira noite com sua amante, esqueceu o problema, tirou a roupa toda, e quando ela começava a apalpar-lhe as costas, o par de asas se abriu, arqueou-se unindo as pontas bem no alto por cima dele, na hora do supremo prazer.

Mas essa mulher/amante não se assustou, não se afastou. Apertou-se mais a ele, e disse:

- "Vem comigo, vem comigo, vem comigo..."

E abriu suas asas também...

Lya Luft.

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É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Clarice Lispector
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