sexta-feira, 18 de maio de 2012

A felicidade e o acaso


Para que lado cai a bolinha?

O filme começa com a câmera parada no centro de uma quadra de tênis, bem na altura da rede. Vemos então uma bolinha cruzar a tela em câmera lenta. Depois ela cruza de volta, e cruza de novo, mostrando que o jogo está em andamento. De repente, a bolinha bate na rede e levanta no ar. A imagem congela. O locutor diz que tudo na vida é uma questão de sorte. Você pode ganhar ou perder. Depende do lado que vai cair a bolinha.

É o início de "Match Point", filme de Woody Allen, que é uma versão mais sofisticada, mais sensual e mais trágica de um outro filme do cineasta, na minha opinião um de seus melhores: "Crimes e Pecados", de 1989. Em ambos, a eterna disputa entre a estabilidade e a aventura, entre render-se à moral ou desafiá-la, o certo e o errado flertando um com o outro e gerando culpa. Onde, afinal, está a felicidade?

Certa vez li (não lembro a fonte) que felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem feitas. De todas as definições, essa é a que chegou mais perto do que acredito. Dá o devido crédito às circunstâncias e também aos nossos movimentos. Cinquenta por cento para cada. Um negócio limpo.

Em "Crimes e Pecados", Woody Allen inclinava-se para o pragmatismo. Dizia textualmente: somos a soma das nossas decisões. Tudo envolve o nosso lado racional, até mesmo as escolhas afetivas. Casamentos acontecem por vários motivos, entre eles por serem um ótimo arranjo social – e nem por isso desonesto. E até mesmo a paixão pode ser intencional. No filme, um certo filósofo diz que nos apaixonamos para corrigir o nosso passado. É uma idéia que pode não passar pela nossa cabeça quando vemos alguém e o coração dispara, mas, secretamente, a intenção já existe: você está em busca de uma nova chance de acertar, de se reafirmar. Seu coração apenas dá o alerta quando você encontra a pessoa com quem colocar o plano em prática.

Em "Match Point", Woody Allen passa a defender o outro lado da rede: a sorte como o definidor do rumo da nossa vida. O acaso como nosso aliado. Se a felicidade depende de nossas escolhas, é da sorte a última palavra. Você pode escolher livremente virar à direita, e não à esquerda, mas é a sorte que determinará quem vai cruzar com você pela calçada, se um assaltante ou o Chico Buarque. É a bolinha caindo para um lado, ou para o outro.

Tanto em "Crimes e Pecados" como nesse excelente e impecável "Match Point", fica claro o que todos deveríamos aceitar: nosso controle é parcial. Há quem diga até que não temos controle de nada. Não existe satisfação garantida e tampouco frustração garantida, estamos sempre na mira do imprevisível. Treinamos, jogamos bem, jogamos mal, escolhemos bons parceiros, torcemos para que não chova, seguimos as regras, às vezes não, brilhamos, decepcionamos, mas será sempre da sorte o ponto final.

Martha Medeiros.

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É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Clarice Lispector
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